14.6.11

sobre MEMÓRIAS SUBMERSAS...



















@ shirley penaforte


AMAZÔNIA BRASILEIRA, SÉCULO 21. A história sempre se agita... Em seus recortes, pessoas comuns escrevem suas trajetórias: compram pão, reformam suas casas, vão à escola, morrem, nascem...

No meio de tudo e em cada experiência, aparentemente invisível, inscreve-se a memória. Tudo é memória, quando iluminado pelo sentido. Todos os espaços/tempos grávidos de significação podem virar memória. A memória encontra espaços além...

Ela pode estar no gosto da comida que minha mãe fazia quando eu era criança, no cheiro da planta que eu nunca soube o nome, na pele que se arrepia, sem que eu possa controlar, nas cores fortes de uma tela de CHAGALL.

A memória do passado, acreditamos controlar, mas ela não é livre, é humana, administrada, remexível. Não foram poucos os teóricos que se debruçaram sobre esta embaçada definição.

HALBWACHS nos convidou a pensar sobre a memória coletiva e mostrou como as experiências, aparentemente mais individuais, estão ligadas às teias de sentidos sociais.

POLLAK e sua tradição de historiadores falam em memórias subterrâneas, que se construíram às margens da história oficial, atravessadas por relações de poder. Mas que podem, pelo movimento da história, ocupar novos espaços.

BAKHTIN desafiou o tempo da memória ocidental e descolou a noção fixa de passado. Ele nos fala da memória que constituímos com o outro, a memória do passado e de um acordo responsivo que “eu” estabeleço com o meu tempo por vir, a poética memória de futuro.

PAUL RICOEUR, analisando tantas reflexões sobre a memória, afirma que em momento algum da história do Ocidente houve tanta preocupação em definir o que é a memória. Parece que importa mais a definição do que aquilo de que se lembra.

Na AMAZÔNIA, apesar de todos os seus contrastes, seria possível pensar em uma espécie de memória da água. Como bem define THIAGO DE MELLO, “A AMAZÔNIA É A PÁTRIA DA ÁGUA”.

Aqui, quase respiramos água, sentimos o cheiro de chuva com muita freqüência, comemos os melhores peixes de água doce do planeta, escrevemos narrativas de água... Grande parte de nossa memória molhada se atravessa pelo clima úmido, pelos rios e pelas chuvas.

Nesta complexidade que é a região, são muitos interesses em disputa e a experiência humana, por vezes, desenha caminhos tortuosos. Alteram-se o curso do rio e o curso da história, sem muito pudor, em nome de um já tão duvidoso modelo de desenvolvimento.

Numa região em que muitos habitantes fazem dos rios suas ruas, condição social tão recorrente na literatura de expressão amazônica, a construção de hidrelétricas agride o meio ambiente e interfere danosamente nas práticas sociais. Pessoas comuns foram obrigadas a abandonar suas casas, em troca de indenizações duvidosas e em nome do “progresso”.

A área afetada e seus antigos moradores, hoje, constituem-se em um novo espaço de significação da memória, com uma luz turva, difusa, que pouco permite aos olhos. Como sempre acontece com as pessoas que vivem estas experiências, a água ocupou outros espaços e agora elas também são atravessadas por memórias submersas.

IVÂNIA NEVES
DOUTORA em ANÁLISE do DISCURSO pela UNICAMP, professora de graduação
de LETRAS e COMUNICAÇÃO SOCIAL e do MESTRADO de COMUNICAÇÃO,
LINGUAGENS e CULTURA da UNIVERSIDADE da AMAZÔNIA.

Um comentário:

romualdo luiz disse...

Magnífico e muito envolvente, é o que posso dizer desse BLOG. O profissionlismo hoje converge para um lugar que não mais é apenas o anonimato, o rico peixoto fez de seu pensamento algo de real e como dentro de sua concepção ele deixou um legado para mim (romualdo luiz), que devemos aprender sempre alguma coisa que os outros não saibam... Neste caso, era saber OLHAR ao nosso redor com mais intensidade e absorver essas informações contidas ao nosso redor, certamente através do olhar FOTOGRÁFICO, isto porque de todos os meios de expressão, a fotografia é único que fixa um instante preciso. (parafraseando Cartier Bresson). um abraço iluminado